Como o jovem gestor escolar administra a instituição

Joyce Dias de Paula nunca pensou em outro caminho profissional além da escola pública. Depois de terminar a faculdade de Letras e fazer uma especialização nos Estados Unidos, voltou ao Brasil para prestar concurso para a prefeitura de São Paulo, há sete anos.

Desde a graduação, ela se identificava com a coordenação de projetos e a liderança de equipes. Só não imaginava que surgiria tão cedo a oportunidade de se tornar diretora da EMEI Maria Thereza Fumagalli, na Vila Brasilândia, zona norte da capital paulista.

Joyce, que assumiu o cargo aos 25 anos, faz parte de um grupo de gestores jovens que está ganhando espaço nas salas de direção. Segundo dados da Prova Brasil de 2015, um quarto dos diretores tem até 39 anos. Um levantamento do Ibope, feito em 2009 a pedido da Fundação Victor Civita, apontava que 24% deles estavam há até dois anos no cargo e a maior parte chegou a ele via concurso público (35%) ou eleição (49%).

A chamada geração Y – formada por nascidos nas décadas de 1980 e 1990 – está assumindo agora a gestão de escolas. Em outros ambientes, a sua presença já é conhecida por algumas características. A uma pesquisa do banco Goldman Sacks, 53% deles disseram que gostariam de fazer mais pelo meio ambiente e assumiram ser mais dependentes de tecnologia e conectados do que seus pais ou avós – 84% usam smartphones todo dia.

Nas escolas, são notáveis as mudanças trazidas por esses gestores. É o caso de Gisele Rodrigues Pinto. Ao assumir a gestão do Centro Municipal de Programas Educacionais Professor José Limongi Sobrinho, em Mogi das Cruzes, em São Paulo, ela propôs diversas iniciativas ligadas a tecnologia, como um projeto em que os alunos aprendem a montar e operar pequenos robôs.

“No começo, muitos professores não entenderam a utilidade das aulas de robótica e diziam ser um caso de usar a tecnologia pela tecnologia, mas tudo deu tão certo que os alunos disputavam uma vaga nas equipes.” Essa e outras iniciativas que aliavam a tecnologia ao projeto de ensino também ajudaram a integrar os alunos. “Tínhamos um grupo com graves problemas de aprendizagem, comportamento e baixa autoestima. Foram esses estudantes os que mais se empolgaram com as novidades e avançaram”, lembra ela.

A proximidade da gestora com os estudantes foi o diferencial para fazer o projeto vingar. “Não é que os esforços dos gestores experientes de integrar escola e tecnologia devam ser desprezados. Mas os educadores acostumados aos dispositivos percebem mais facilmente as possíveis contribuições da tecnologia para o processo de aprendizagem”, avalia Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Jovem Gestor Escolar

A escola toda conectada – Gisele Rodrigues Pinto, da Cempre Professor José Limongi Sobrinho, em Mogi das Cruzes (SP). Formação: Pedagogia. Idade: 35 anos. “Sempre fui inquieta e quis potencializar ao máximo as possibilidades da escola. O apoio de ex-diretoras foi fundamental para criar e implantar projetos de tecnologia para aproximar a escola dos alunos.”

Diretores com causas

O gosto por tecnologia é apenas uma das características mais conhecidas dessa geração. Outro ponto importante é a maneira como eles enxergam o convívio, sobretudo no ambiente de trabalho. Um estudo da consultoria Deloitte aponta que esses jovens profissionais, em geral, são atraídos por culturas menos horizontalizadas, com menor hierarquia. Além disso, são avessos a lideranças sem visão democrática e que não estejam abertas a aprender com quem possui pontos de vista diferentes dos seus próprios. Para 76% deles, a satisfação com o trabalho acontece em espaços com cultura mais inclusiva do que de uma estrutura baseada em regras pouco maleáveis ou com hierarquia muito engessada.

No trabalho de Joyce, a inquietação levou a criar assembleias na EMEI em que trabalha. “A escola tem crianças de cinco e seis anos e, desde que assumi o cargo, os alunos tomam decisões que afetam o cotidiano deles na instituição. São questões simples, mas que fazem com que eles se sintam ouvidos”, conta Joyce. Recentemente, as crianças demandaram, por exemplo, que as mesas do refeitório fossem unidas para formar um grande mesão. “Meu sonho é que o aluno tenha mais voz.” Ela agora quer montar um projeto de rádio estudantil, em que as crianças devem divulgar notícias da escola e do bairro.

Aos 28 anos, Valnei da Fonseca se tornou o primeiro diretor do Colégio Estadual Erich Walter Heine, no Rio de Janeiro, que foi inaugurado em 2011. O educador liderou o processo de criação do projeto pedagógico da instituição. “Foi um desafio. Junto com a equipe, tivemos de traçar um projeto pedagógico fora do convencional e não foi nada fácil conquistar a organização que a escola tem agora”, lembra ele.

Hoje, a instituição é referência no tema sustentabilidade. “Os alunos mantêm um telhado verde, uma horta comunitária, fazem reaproveitamento de água da chuva e reciclagem do lixo orgânico por meio da compostagem”, conta. Ele diz acreditar que o fato de ter se tornado diretor tão jovem o ajudou no processo de aproximar a comunidade escolar de discussões atuais, que também mobilizam os jovens fora dos muros das escolas. “Temos 600 alunos que ajudam a divulgar essas práticas e preocupações para o mundo fora da escola. Esses 600 garotos e garotas irão replicar essas ideias em casa e no bairro em que moram. Temos a oportunidade de ver uma pequena transformação acontecendo”, conta.

Jovem Gestor Escolar

Aprendizagem sustentável – Valnei da Fonseca, do Colégio Estadual Erich Walter Heine, no Rio de Janeiro. Formação: Letras. Idade: 36 anos. “Nós temos um olhar respeitoso pela realidade escolar que vivemos na época de estudante, mas também tentamos não nos afastar das novas preocupações que os jovens possuem hoje em dia.”

Choque de gerações

Herdeiros de um mercado de trabalho em transformação, os profissionais mais jovens também são conhecidos pela adaptabilidade e pelo desprendimento. O estudo da consultoria Deloitte também mostra que eles querem ter um controle maior da própria carreira, colocam a realização pessoal acima da estabilidade e, na média global, se dispõem a trocar de emprego em até cinco anos. Por outro lado, eles também são facilmente desmotivados. Um estudo de 2015 da Universidade Fordham, de Nova York, aponta que a sensação de não ser valorizado ou de sentir que não teria oportunidades de crescimento profissional eram os pontos que mais pesavam para os nascidos entre os anos 1980 e 2000.

“Eles são mais bem preparados, foram criados para viver em um mundo onde o número de opções e possibilidades é quase infinito, mas cobram mais por reconhecimento. A escola tem de se preocupar em refletir essa mudança”, diz o britânico Adrian Ingham, especialista em gestão escolar do British Council e um dos formadores em um programa de capacitação de lideranças escolares no Brasil. Ele destaca a rede pública britânica como um exemplo de sistema que soube entender a mudança de perfil profissional. “Os governos tentaram limitar a influência do Estado e deram mais autonomia às escolas. Isso foi uma libertação. Os mais jovens estão prontos para arriscar, porque criar novidades que deem certo em uma escola hoje não é tão fácil.” No sistema brasileiro, a grande preocupação de Adrian é que a escola pública ande a passos mais lentos, por continuar não conseguindo oferecer as condições que mais fazem brilhar os olhos dessa geração: falta reconhecimento profissional, flexibilidade e autonomia para o trabalho. Em compensação, sobram burocracias a ser cumpridas.

No contexto escolar, em que a maioria dos resultados de projetos pedagógicos demora a aparecer, o gestor mais jovem precisa tomar cuidado para que a ansiedade não se transforme facilmente em frustração. “É necessário levar em conta a noção de que os processos precisam de um tempo para maturação. Isso é algo que todos os gestores devem ter no horizonte. Além de tempo, as iniciativas precisam ser incorporadas e ‘compradas’ pela equipe. Esse típico ser da geração Y tem que domar o imediatismo e pensar que os projetos tanto podem demorar a dar resultado quanto podem ter um resultado diferente do esperado”, lembra Sônia Dias, especialista em Educação da Fundação Itaú Social.

Ela lembra que outro obstáculo no caminho do jovem gestor é, muitas vezes, não ter tido uma experiência longa na própria rede ou não ter passado muito tempo em sala de aula. “Para evitar uma sensação de queima de etapas, o profissional precisa estimular o olhar para o outro, deve levar em conta experiências que já foram testadas naquela escola e incorporar o que deu errado e o que deu certo em seus projetos.”

“Quando a gente chega, quer mudar tudo”, diz Gérson Dresch, diretor do Colégio Marista Assunção, em Porto Alegre, desde 2009, quando tinha 28 anos. “Sou o gestor mais jovem da história da escola. No começo, a comunidade não acreditava que alguém mais novo pudesse dar conta.”

Ele conta que os primeiros contatos com os pais dos alunos eram tensos. “Eu me lembro dos que chegavam para resolver alguma questão na diretoria e aparecia aquele cara jovem, de barba, com a camisa para fora da calça e usando expressões parecidas com as que os garotos estão acostumados. Era um choque.” Nesses momentos, a parceria com sua vice-diretora, Viviane Truda, 59 anos, foi fundamental. “Trabalhar ao lado de alguém com mais experiência ajudou no processo de entender as necessidades da escola e me deu mais tranquilidade na hora de tomar decisões”, diz ele, que busca implantar uma forma de gestão mais horizontalizada na instituição, em que a sala do diretor permanece de portas abertas.

“Sempre bati na tecla de que a maneira de tratar os alunos e a equipe, sem muita cerimônia ou um distanciamento desnecessário, me ajudaria a compensar qualquer falta de experiência”, diz ele. É uma maneira de reconhecer que o frescor das ideias trazidas pelos mais jovens depende de uma abertura ao diálogo, principalmente com os mais experientes, para dar certo.

Fotos em ordem de aparição: Mariana Pekin / Rafael Seiji/Yamauchi Fotografia / Bruno Montt

Fonte: https://gestaoescolar.org.br/

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